quinta-feira, 19 de novembro de 2009

doce leveza


há um coração pulsando em minhas mãos.
não é o meu,
mas levo-o comigo
porque é leve como uma pena.

não sei o destino dele.
ele não é meu,
nem nunca será:
cada um tem um coração
apenas.

enquanto isso, trago-o junto ao peito
e seguimos uma caminhada feliz.
até que ele encontre
um lugar vazio
onde possa repousar.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

les petit

Havia um prazer tão modesto naquela brincadeira: um caixote em cima, outro embaixo e eis minha mansão. Era princesa de um castelo ou professora de uma escola ou dona-de-casa e isso era divertidíssimo. Eu, minhas bonecas - filhas? alunas? súditas? - algumas panelas velhas e não havia quem me retirasse daquele mundo de imaginação. Onde se enxergavam panos velhos, eu via cortinas de renda francesa; o caixote menor era a mesa de mármore; a entrada, um caminho desenhado na grama por pedras lapidadas em diversos formatos. Eu estava sozinha, mas entendia essa solidão. Ela era necessária, porque quem veria o mesmo? Meu irmão se esforçava, até fingia - poucas vezes deparei-me com tanta generosidade - mas não vivíamos no mesmo mundo.
Ele era do mundo sensível das coisas e das pessoas. Aquele que toda criança quer ter por perto para fazer travessura, pois nada teme. Não bastava imaginar-se o super-homem, precisava subir a goiabeira e jogar-se na caixa-d'água - a tampa ovalada o fez crer que iria bater e voltar. Nada feito. Pulou, quebrou a tampa e nem um arranhão. Minha mãe diz que Deus deixou que ele voasse. Por isso era adorado, ovacionado pelas outras crianças. Era um corajoso. Minhas primas nunca quiseram saber de bonecas ou ficar comigo; o divertido de ir para minha casa era o meu irmão. Eu sabia disso e concordava, aliviada.

Essa história não termina aqui. Mas, por enquanto, estou de novo no caixote, o sol está fraco e o dia é claro. Ouço meu pai cantando e as gargalhadas do meu irmão não atrapalham minha brincadeira. Só um minuto mais...