terça-feira, 27 de julho de 2010

O medo

Que é que faço eu
que não me ouço?

Que não deixo meu peito
se encher de ar
e falar com voz doce
ao resto do meu corpo?

Onde estou eu
que não me deixo estar
exatamente onde gostaria
de estar?

Que é que penso eu
que não percebo
que só eu sei
o erro que cometo
a dor que suporto
a alegria de que preciso
a liberdade de que gozo?

terça-feira, 20 de julho de 2010

Divulgando - concurso de Contos ABL

http://www2.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=10394&sid=672

domingo, 18 de julho de 2010

Homenagem à vovó

Ciléa .

Uma grande Mulher. Sabe-se que nem Freud conseguiu definir o que é ser Mulher. Já Lacan, e perdoem-me a simplicidade com que trato disso, principalmente os verdadeiramente versados em psicologia, diz que a Mulher, com letra maiúscula, não existe. O Homem tem uma representação padrão, o falo, do que é ser homem. A mulher não: ela é única e precisa fazer-se existir e representar-se a cada momento. Por isso, numa festa, é tão ruim ter uma mulher com o mesmo vestido que o nosso, é como se ela se representasse da mesma forma como nós .

Ciléa foi desas mulheres que se fizeram ( e se fazem) únicas. E Que vestidos Ciléa vestiu na vida? Na infância, é possível que fosse simples, sem muitas cores, filha do meio... sabe como é... Mas com certeza adorava o uniforme escolar, pois era com ele que estudava... uma pena foi tanta inteligência não poder ter ido formalmente adiante. Uma vez, no auge da arrogância adolescente, minha avó tentava me consolar porque estava muito nervosa com o vestibular e eu insensível falei: E a senhora sabe o que é vestibular? Ela não respondeu e chorou. Fiquei paralisada. Ela disse um tem depois: não estudei mais porque não pude. Mas tenho muito orgulho de ver meus netos na Universidade (quem a conhece, sabe que ela completaria – todos na Universidade pública.) Se tivesse ido à Universidade o que seria? Seria uma grande cientista? Professora? Economista? Médica? Não, seria artista. E foi. E é.

Vestiu-se de noiva para casar: vestido plinçado e passado prega por prega, não é isso vó? Conheço a foto, mas quem viu pessoalmente em 1952 disse que parecia uma princesa. No entanto, as verdadeiras vestes de sua vida de casada foram um pouco mais duras, tiveram de ser. Engana-se quem pensa que ela capitulou frente ao desafio: foi companheira leal até o fim.

Seus vestidos outros, todos, manchados: a vida adulta os tingiu de tinta de suas pinturas e artes, de molhos da sua cozinha, uniu a eles fitas dos vestidos que fazia para suas filhas, retalhos das camisas do filho e até de algumas lágrimas que também devem tê-los molhado.

Sem importar a roupa: de feira, de dona-de-cada, de muambeira, de costureira, de boleira e doceira, de mãe, de avó e de esposa havia sempre, como uma capa que dá nobreza a qualquer vestido, a firmeza do caráter em cada ação.Cileá não sabe muito fazer carinho, ela sabe agir. E suas ações são sempre tão cheias de honestidade e honradez e amor e firmeza, que, sem importar a roupa, sempre foi altiva na vida.

Vovó foi acumulando vestidos, personalidades, funções. Foi incansável, é incansável. Uma última historinha que ilusta sua disposição: no ano em que anunciei o meu casamento, em 2008, ela estava fazendo um curso de pintura em tecidos. Teve, então, a ideia de fazer panos de prato e tolhas para o meu enxoval. Não bastasse isso, ela queria bordá-los, mas não sabia. Um dia, foi ao centro de São Gonçalo e descobriu uma senhora que vendia panos bordados. Perguntou se a outra senhora poderia ensinar-lhe. A partir daquele dia, todos os dias, após o Vale a pena ver de novo – é grande noveleira! -, durante um bom tempo, foi ao encontro daquela outra mulher aprender a bordar. Aos 78 anos. Cileá descobriu que velho é quem desistiu de aprender.

Hoje, comemorando seus 80 anos, seu brilho no olhar enche-a de babados, de paetês, de cores. Porque Ciléa, avó, mãe, irmã, tia, cunhada e amiga amada, saber gostar da vida e sabe viver!

E é com muita alegria que hoje todos nós nos vestimos de festa para celebrar sua vida!

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Em si, consigo.

Laura já estava tão cansada de sua busca, que decidiu ater-se ao que sabia. Ela já não era mais uma criança; o véu da fantasia, que deturpa o resultado do olhar, já não estava mais em seus olhos.

Agora olhava o mundo quase como ele era. O quase era uma observação dela, que, um dia, contemplando a movimentação da rua pela janela do seu quarto - a mesma janela e a mesma rua de todos os dias - percebeu que o mundo não era, ele estava. Porque ontem ele estivera outro.

Foi um momento epifânico quando chegou à conclusão de que ela também, constituinte do mundo, só podia estar, embora fosse. Verdadeiramente descobrira muito sobre o que a rodeava e a habitava. Por isso não era mais criança.

Sua angústia se abrandara. Porque o mundo era um moinho, mas era bonito. Porque nem sempre havia brilho no sorriso, mas, se quisesse, poderia sorrir. Porque se olhou no espelho e viu que não era tão grande a ponto de ser superior, nem tão pequena que... Ah, não importa! Ela existia e isso era bom. E, se ninguém mais a visse - o que antes a apavorava - ela não morreria; não morreria mais por ninguém: só ela poderia morrer-se. E não queria mais morrer. Queria a brisa, o vendaval, a chuva e o sol. Queria os caminhos: percorrê-los, senti-los, sê-los.

A menina, ela, Laura, tornava-se mulher. Ela queria a vida, com tudo, apesar de.