segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Sobre o desejo

Era um beijo avassalador. Era um casal. Lascívia e paixão. Em público. Como ousavam? Caminhavam suas mãos pelos corpos ora próximos ora mais afastados, só para serem trazidos para perto por uma atitude grosseiramente carinhosa. Libidinosamente ele subia seus carinhos à nuca e prendia os cabelos dela entre os dedos, de modo a forçá-la a um movimento de claro prazer. As bocas se afastavam e eles se cheiravam, se olhavam, se mediam. Diziam qualquer coisa com os lábios colados à pele: um corpo falando com outro.

Olhares curiosos, envergonhados, pudicos, excitados, empáticos, invejosos. Eles eram criteriosamente observados, avaliados, censurados, desejados. Mas pareciam não se incomodar. De pé, no meio de uma discreta praça - dispensavam a proteção dos muros, portões, cantos e sombras. Quando o desejo fala, o mundo se cala. Ficaram ali por uns quarenta minutos. Por quarenta minutos só eles existiram. Apenas a vontade exercia sobre eles um poder irrefreável de ter o outro, engolir o outro, preencher toda falta eroticamente inesgotável.

Foi bonito de ver. Porém, de algum modo, senti-me eu observada por eles. O meu interesse me denunciou de tal modo que fiquei exposta e explícita. Por não desviar o olhar - bebia meu suco calmamente - houve átimos de segundo em que, verdade ou não, nossos olhares se cruzaram. Estive tão ali quanto eles. Fantasiei palavras sussurradas e repeti mentalmente aquela dança. Foi tão bonito!

Levantei-me e quis passar ao lado, desvendá-los, aproximar-me dessa coragem. Mas eles então se desataram. Para onde iriam? Para onde se vai depois disso? Que fazer com o que sobra? Sobra alguma coisa? Sobrei eu: e então soube de mim.