quarta-feira, 30 de maio de 2018

[notas mentais públicas]

1. o medo é maior quando não compartilhado, quando não dito, quando silenciado. Aí, ele vira o medo de ter medo e triplica de tamanho. o medo é o grande antagonista do amor, eu já havia me esquecido. mas me lembrei lendo o livro que meu filho trouxe da escola. é do chico buarque e todos deveriam ler, eu penso. o amor move. o medo paralisa. o movimento dissipa o medo.

2. parece uma contradição, mas não é. algumas coisas precisam estar bem elaboradas dentro de si antes de chegar aos outros. não sabemos o que nossas palavras podem provocar - a despeito de qualquer intenção. às vezes amor, às vezes ódio. se não está tudo bem por dentro, é mais difícil sobreviver ao ódio.

3. é preciso suportar o mal-estar. sustentar a dor. nem tudo de ruim precisa ser aplacado, apagado, extinto. que obsessão nossa sociedade tem pelo kitsch, pela ordem estética artificial, programada, emocionada, inautêntica. vamos suportar o mal-estar de algo que não deveria ser dito nem escrito, mas foi. deu voz a algo que todos sabem que existe, mas que todos querem esconder. o pavor é perceber que houve alguém com coragem de escrever o horror que todos nós também somos.
Quando ele chegou diante da porta de casa, hesitou ao colocar a chave na porta e girá-la. Aquele gesto repetido tantas vezes, todos os dias, todos os anos, para entrar naquilo que era só deles: a casa. Ele não era propriamente um chorão, mas não se furtava ao poder apaziguador das lágrimas. Então elas desceram pelo seu rosto, porque, antes de girar a chave, lembrou-de de algo prometido ainda no tempo do namoro: "prometo me aquecer no seu coração e a ele chamar para sempre de meu lar". Mas seu coração era um poço muito profundo e inóspito naquele momento. Não havia ninguém ali, nem ele.

Tentou se recompor e abriu a porta num gesto lento, de quem não sabe o que vai encontrar, embora ele soubesse. As luzes estavam apagadas, exceto a do abajur ao lado do sofá. Vendo-a contra a luz, uma silhueta delicada e encolhida, sentiu vontade de esquecer tudo, perdoar tudo, ter a vida deles de volta. Um impulso irracional levou-o ao pé dela e eles se abraçaram. Tão apertado que parecia uma fusão de dois em um. Ele a beijou violentamente e começou a tirar-lhe as roupas. Ela, um fiapo apenas, não conseguiu impedir. 

Ao olhá-la nua, chorou novamente. Agora compulsivamente. Desesperadamente. De joelhos, deixou o tronco cair sobre as pernas e convulsionou barulhentamente a sua dor. Ela buscou suas roupas no chão em silêncio, com o corpo curvado, como quem caminha num velório. Não era possível dizer nada. Eles tinham o amor mais bonito de que tinham ouvido falar. Era amor mesmo. Eram muitos anos juntos, vivendo juntos, construindo juntos. Há muito nada era vivido separadamente por eles. E, apesar da agressividade latente na situação, sentou-se ao lado do corpo dele no chão. O choro abrandara, o peito respirava mais leve.

Em ambos os rostos, as lágrimas construíam a cartografia da dor. Ela lhe ofereceu o colo e ele pousou sua cabeça no alto de suas pernas, quase no ventre, contornando-lhe os quadris com os abraços. A possibilidade daquele silêncio cúmplice os acolhia.

- Não esperava vê-lo hoje. Ontem você disse...
- Eu sei. 
- Então... Você pensou no que eu disse?
- Pensei tanta coisa, lembrei de tanta coisa. Mal fiquei de pé hoje, de tanto que tentava entender o que ocorrera.
- Sabe que sempre admirei o bom uso que faz das palavras. Foi o ponto inicial pra eu me apaixonar... Só você para usar o pretérito mais-que-perfeito numa hora dessas - disse sorrindo.
- Puta que pariu, Laura! Como você consegue? Isso não faz mais o menor sentido! Rir? Agora? Eu estou dizendo que não sei como fui capaz de ficar de pé hoje... Tentando falar de como dói a ponto de ter que vir para casa hoje e você consegue rir?
- Eu só estava lembrando...
- O quê? 

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Há pouco, li o texto da semana do Gregório Duvivier (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/gregorioduvivier/2015/06/1648988-a-privada-e-a-bicicleta.shtml#_=_) e penso que se relaciona ao que Marieta falou para o Faustão. É preciso haver inclusão, oportunidades, menos pobres, mais universitários, mais pessoas qualificadas, mais (e melhor) comida na mesa, mais casas. Ainda que queiram negar, isso os governos do PT fizeram em grande medida.

Leio algumas postagens por insinuando que os eleitores "à esquerda" que apoiaram a última candidatura de Dilma estão escondidos ou envergonhados. Eu não estou. Vivemos um momento difícil, é certo. E não vou entrar no mérito econômico, pois não tenho saber para isso. Porém, como não nasci da elite nem cresci com ela, vivenciei muito de perto algumas transformações promovidas nos recentes anos.

Certamente, ainda precisamos percorrer um enorme caminho - e a reforma agrária? e a questão indígena? e o investimento mais decisivo na educação e na valorização do docente? A inclusão pela cidadania (garantia de acesso aos serviços essenciais, como saneamento, saúde, educação de qualidade, políticas afirmativas) é muito mais eficiente do que a inclusão pelo consumo. Mas, para isso, a nossa sociedade precisa de autocrítica. Quantos de nós admitiria "perder" para o todo "ganhar"? Por exemplo, a lei das empregadas domésticas dá aos profissionais do lar direitos importantíssimos, porém há enorme grita da classe média... Limpar a própria privada ninguém quer. É preciso lembrar, no entanto, que um salário melhor e certos benefícios permitem que o empregado dê melhores condições de vida para sua família e evite, assim, que o apelo sedutor do dinheiro rápido do crime conquiste seu filho.

 A sociedade não pode funcionar só para alguns. Não adianta lutar só pela boa educação - pagando uma cara mensalidade -  do seu filho se a filha do porteiro não tiver o mesmo direito. Porque um dia a conta chega. E o criminalidade fomentada por todas as exclusões cobra um preço altíssimo. Não há muros, blindados ou coletes que (n)os possam proteger. A única proteção virá de uma sociedade mais justa para todos.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

"Quero nascer, quero viver"

Sentada diante do computador para trabalhar, até agora só o que fiz foi ler um monte de coisas. Eu gosto de ler.
Também ouço Cartola: porque gosto e porque sei que meu filho também o ouve. Como tenho pensado muito no que vou ensinar a ele, acho que ensinar a ouvir Cartola é um bom começo. Ontem à noite, antes de dormir, fomos  - eu e Francisco - embalados por O mundo é um moinho na melhor voz que existe. Acordei ainda inspirada pelo gênio mangueirense.

São tantas as coisas que quero lhe ensinar, meu filho. Peço, primeiro, que seja pelo exemplo, tão mais eloquente que as palavras.

Quero que saiba ser simples na vida: que precise de pouco, que identifique o necessário, que reconheça o que importa e que aprecie delicadezas.

Quero que seja tolerante, respeitoso e mais: que realmente encontre no outro, na diferença, a beleza. Quero que ame as pessoas e seja reverente às suas características. Quero que seja colaborador em vez de competitivo. Que sua maior ambição seja viver plenamente, em harmonia com o mundo e com os outros.

Meu filho, que seus pais sejam exemplos de que "preço" e "valor" são coisas distintas. Que "shopping" não é passeio. Que cada um é aquilo que constrói subjetivamente e não aquilo que aparenta. Espero que perceba que compartilhar é mais importante que acumular e que a doação - de tempo, de amor, de disponibilidade - são verdadeiras caridades assim como a doação de bens, quando for necessário.

Quero ensinar-lhe a não se levar tão a sério, a rir de si mesmo, a ter dúvidas e questionar, a apreciar a falta, porque é a partir dela, da falta, que podemos nos formar.

Que seu pai e eu sejamos exemplos de sensibilidade às Coisas do Alto. Que demonstremos a importância da ciência, da leitura, dos estudos mas também o respeito por aquilo que está além disso.

No mais, apesar dos nossos desejos e ensinamentos, dependerá de você. E isso é o mais bonito...

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Estou esperando

Minha barriga está cheia
da melhor esperança

Grávida do Amor
aguardo minha criança 

Em par, ao seu lado,
vamos encontrar um presente
bem guardado

Pela vida, que ensina,
em nove meses, que a espera
não é uma esquina

É preciso paciência
Sapiência
Gostar da rotina

Gestar, preparar o mundo
Arrumar a casa e a alma
Respeitar as mudanças

Ter coragem
para começar novas andanças

Admitir o medo de não saber
Ter ânsia de correr
Mas ficar, permanecer

Fazer da travessia
um afeto que sacia
uma história que ilumina
qualquer estrada fria

Um rito, um ciclo, um parto
O nascimento
Momento de acolhimento
Vida em movimento

Seja bem-vindo, meu rebento.


domingo, 21 de julho de 2013

Ontem foi o chá de bebê do nosso filho. Foi uma festa de pura alegria e harmonia. Agradeci aos presentes por celebrarem conosco a vinda do Francisco. Agradeci enfaticamente à Vida.

À noite, despindo-me para colocar a roupa de dormir, com os pés inchados e os olhos abatidos pelas olheiras das noites acumuladamente mal dormidas, depois de um dia (uma semana) de intensa preparação para a festa, meu marido me olhou, beijou meu barrigão e disse que aquele fora o momento em que eu estivera mais linda desde que nos conhecemos.

Isso é amor.

domingo, 19 de maio de 2013

Meu filho,

Hoje é Domingo, 19/05, Outono. O dia amanheceu claro, mas sem sol. Seu pai e eu fomos tomar café-da-manhã na rua: pão na chapa com café com leite - uma das bebidas preferidas da sua mãe.

Agora eu estou aqui pensando na vida e me deu uma vontade imensa de falar com você. Quem sabe um dia você vai ler isso e se sentir muito amado? Não sei...

Seu pai está na sala tocando cavaquinho, instrumento ainda novo para ele, que já arranha bem o violão, o tantan e o reco. Meu filho, seu pai adora música! É sambista! É tão feliz! Seu pai, além disso, é muito ligado às coisas do alto; e um dia você terá muito respeito por isso também e vai oferecer um café preto ao Tempo.

Ele com sua música e sua mãe aqui com as palavras, tentando organizar o mundo dela e preparar o seu. O quanto eu vou poder fazer, não sei. Vamos aprender juntos, nós três.

Aliás, lembrei de dizer uma coisa, meu filho: a vida é projeto de longo prazo; fique tranquilo.