sábado, 29 de maio de 2010

No banheiro

Entra uma senhora cega e solicita, humildemente, ajuda. As pessoas presentes se entreolham perguntando quem vai. Uma sai rapidamente, outra vira-se sem cerimônia para o espelho "estou ocupada", a outra retorna à cabine. Eu já ia ajudar, ninguém precisava fugir, pensei.
- Pois não, senhora.
- Ah, obrigada.
- Vamos?

Nesse momento pensei se seria necessário também entrar na cabine. Acho que seria estranho, mas encararia.

- Não, prefiro o outro. A privada desse é muito alta e eu acabo molhando meu pé.

Sorrimos.

- Deixe-me diante do outro, coloque, por favor, o papel na minha mão, que o resto eu sei, disse ainda com um meio sorriso.

Em pouco tempo saiu. Fui até o lavatório levando-a pelo braço. Abriu a torneira sozinha. Lavou as mãos e secou-as com um pedaço de papel que havia prendido no decote.

Enquanto nos dirigíamos à saída, perguntei se precisava de ajuda para ir a algum lugar, pelo menos até o elevador.

- Não, não precisa. Há alguém me esperando aí fora.

Saímos e havia um senhorzinho. Uns setenta e poucos anos como ela. Cabeça bem branquinha. Soltei-lhe as mãos que rapidamente se enlaçaram a do homem.

- Muito obrigada pela sua gentileza, minha filha. Deus retribua... - ele disse e ela reforçou.

Ainda me afastava, comovida pela cumplicidade daquele casal, quando ouvi:

- Meu amor, pra onde vamos agora?

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O sonho

Eu tenho muitos pesadelos. Desde a infância que os maus sonhos me acompanham, me assombram, fazem-me despertar no meio da noite com o coração aos pulos, a perna tremendo e com medo. E, nesse caso, escrevo na primeira pessoa sendo eu, um eu-empírico que usa esse espaço em branco para se organizar. Contar uma nova história ou uma velha história novamente, com novidade, é um nascimento. É bom inaugurar um papel totalmente em branco. Sou eu quem me narro, me escrevo, me inscrevo nessa história. E talvez os pesadelos não tenham sido exatamente assim e eu os esteja fantasiando. A fantasia da fantasia.

Todos eram aterrorizantes. No entanto, havia um mais cruel que todos. Recorrente. Eu ia por uma estrada escura, de terra batida, com uma chuva que não chegava a molhar o chão, mas deixava o ar embaçado. Essa estrada não tinha fim. Quilômetros e quilômetros de caminhar sem haver uma chegada. Era frio. Eu estava só. Queria chegar, queria voltar. Aonde? Pra onde? Pois é, eu nunca soube. Daí a angústia e um peso no peito sufocante que permanecia mesmo após horas de acordada. Em algumas noites esse longo trajeto era apressado por uma corrida, uma fuga desesperada, pois algo estava prestes a me pegar. Nunca tive coragem de olhar para trás e conferir o tamanho do monstro.

Essa noite, entretanto, foi diferente: eu tive um sonho bom. Não que eu não os tenha; eles são raros. Somente vez ou outra vêm alegrar meu sono. Mas essa noite... eu sonhei que eu dirigia: nem desgovernada por uma ladeira, nem fugindo de alguém, nem prestes a cair num precipício... eu dirigia um conversível (imaginem... eu que nem sei dirigir de verdade!) e estava de dia! Era um dia claro, com um sol tímido que colocava uma lente amarelada nos meus olhos. Assim como a outra, essa estrada era tortuosa, cheia de curvas e eu também não via seu fim. Porém isso não doía. Não lembro se havia um mar limitando-a a leste, mas a brisa estava lá, aumentando toda vez que pisava fundo no acelerador. Prazer da corrida. Cheiro de sal. Gosto de domingo. Eu apertava, com força e segurança ,o volante. A cada curva, uma sensação de avanço era sentida através do meu sorriso: alegria de crescer.

Éramos apenas eu, o carro e a certeza de que não havia perigo. Esse controle e essa liberdade, ninguém mos rouba mais.

sábado, 8 de maio de 2010

amor

Sendo a vida uma ciranda
com muitos recomeços

toda vez que acho
que é o meu fim

é a sua mão, dada à minha,
que me lembra
que ela continua.