quarta-feira, 4 de novembro de 2009

les petit

Havia um prazer tão modesto naquela brincadeira: um caixote em cima, outro embaixo e eis minha mansão. Era princesa de um castelo ou professora de uma escola ou dona-de-casa e isso era divertidíssimo. Eu, minhas bonecas - filhas? alunas? súditas? - algumas panelas velhas e não havia quem me retirasse daquele mundo de imaginação. Onde se enxergavam panos velhos, eu via cortinas de renda francesa; o caixote menor era a mesa de mármore; a entrada, um caminho desenhado na grama por pedras lapidadas em diversos formatos. Eu estava sozinha, mas entendia essa solidão. Ela era necessária, porque quem veria o mesmo? Meu irmão se esforçava, até fingia - poucas vezes deparei-me com tanta generosidade - mas não vivíamos no mesmo mundo.
Ele era do mundo sensível das coisas e das pessoas. Aquele que toda criança quer ter por perto para fazer travessura, pois nada teme. Não bastava imaginar-se o super-homem, precisava subir a goiabeira e jogar-se na caixa-d'água - a tampa ovalada o fez crer que iria bater e voltar. Nada feito. Pulou, quebrou a tampa e nem um arranhão. Minha mãe diz que Deus deixou que ele voasse. Por isso era adorado, ovacionado pelas outras crianças. Era um corajoso. Minhas primas nunca quiseram saber de bonecas ou ficar comigo; o divertido de ir para minha casa era o meu irmão. Eu sabia disso e concordava, aliviada.

Essa história não termina aqui. Mas, por enquanto, estou de novo no caixote, o sol está fraco e o dia é claro. Ouço meu pai cantando e as gargalhadas do meu irmão não atrapalham minha brincadeira. Só um minuto mais...

5 comentários:

Unknown disse...

algumas lembranças, são como braços que nos afagam a alma...te amo!

Marcia Beatriz disse...

Carol!
Que lindo, me emocionei em ler, pois sei o quanto a imaginação as vezes nos faz feliz!!!
Beijos!
Marcia Beatriz

Carol da Matta disse...

Márcia e Mamy,
é um pouco imaginação e um pouco lembrança...
Fico feliz de terem gostado!

Beijos!

Carol da Matta disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lucas disse...

Amor,

Cada vez que entro no seu Blog e leio um texto desses fico com muita vontade de te encher de beijos e abraços, mas... nem sempre é possível.

Agora já é tarde você está cansada (na verdade já está dormindo) mas quero deixar aqui registrado meu orgulho e admiração por você.

Você é uma pessoa iluminada e como parceiro e testemunha de seu crescimento pessoal não vou permitir que nada mude isso.

Te amo desde que ouvi sua voz....

Bjs
do seu marido....