segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Diário na sombra (trecho) - Álvaro de Campos

(...)
Há, além disso,
Aquele pasmo negro, aquele arrepio sombrio,
Que seria na alma
O ter havido um segredo de Deus
Dito no grande solo antenatal, quando a vida
Não raiava ainda ao longe,
E todo o Universo luminoso e complexo
Era ainda um destino inevitavelmente a cumprir.
Se isto não me define - e isto não me define,
Porque o Segredo que Deus me disse não era só isto.
Amo esta cousa que é hoje estar do lado do irreal,
O fim que há nisso, o meu dever de compreender o incompreensível
O meu sentimento d'haver quem não se pode sentir,
O meu grande interesse de impedir na infância,
O domínio dos sonhos arquitetatos na luz.
Sim, é isto que põe
Uma velhice anterior à minha infância na minha face
E no meu olhar uma angústia interior à minha alegria.
Olhas-me disfarçadamente, de vez em quando,
E não compreendes,
E tornas a olhar, disfarçadamente e sempre...
Sem Deus não há vida nesta vida
E não poderás nunca compreender...

(17.09.1916)


Nenhum comentário: