sábado, 18 de setembro de 2010

Meu caro,

Quanto tempo, eu sei. Mas ainda estou aqui e nesse tempo tive vontade de escrever-lhe algumas vezes, porém era preciso viver. Há novidades: ando pensando muito e amiúde em ser mãe. Não, não se assuste, não seria para agora, mas é que, tempos atrás, esse pensamento parecia-me estrangeiro, eu, ainda tão criança, mãe? Impossível. Uma criança não caberia na minha vida, quer dizer, na nossa vida, porque tenho a sorte de usar a primeira do plural com propriedade e amor. E esse desejo tem nascido de um modo tão bonito, que ele deve ser válido.

Sabe o que é? Eu gosto de pessoas, gosto do ser humano, acho-o uma máquina incrível de criatividade e belezas. Mesmo quando o que mostram são feiúras e repetições imbecis de erros já tão ultrapassados, acredito que o fazem pensando que estão sendo autênticos e belos. Alguns homens estão cegos para suas infinitas possibilidades de amor e criação. Não tenho raiva deles, tenho dó. Lamento enormemente que nem todos sintam a pulsão para o bem ou que a reprimam ou que não a possam sentir, pois só conheceram, desde o seu nascimento, o ódio e a indiferença.

Por sorte, e é disso que se trata a minha recente aceitação para o destino materno, estou cercada daqueles que fazem com que a existência nesse pedaço de chão, um pouco de céu e mar, não seja apenas um acúmulo de provações. Ando religiosa, sentindo-me novamente ligada a alguma coisa maior que não pretendo dar nome nem rosto, mas que faz eu reconhecer, naqueles que nem mesmo conheço, um traço de irmandade.

Há algumas crianças, adolescentes e jovens jovens perto de mim, quase todos os dias. Como são criativos! Como são livres, verdadeiros, sem preconceitos. Alguns tão sensíveis, você sabe, com os quais posso ser cúmplice silenciosamente. O que nossos silêncios e palavras compartilham? Algumas dores, tão reais e impossíveis de se escapar, artes, perdas, alegrias, saberes. Compartilho, quase todos os dias, com esses seres humanos ainda em desenvolvimento, minhas humanidades. Aprendo e recomeço. Diante de tanta vida, não há espaço para a morte de nenhum desejo.

Nem para o desejo de ser mãe, apesar de o mundo parecer assustador. Quando meu corpo e nossa vida estiverem prontos, cumprirei, feliz, esse papel que faz parte da minha natureza tão feminina.

Desculpe-me, mas não precisa responder. Eu só queria contar.

Carinhosamente,


3 comentários:

Tânia da Matta disse...

Obrigada por compartilhar seus anseios e esperanças. Ser mãe é muito bom, ainda mais quando vc vê e sente, que o pouco que fez, contribui para formar outro ser de tão rara beleza, te amo.

Yan Venturin disse...

Lindo texto Carol, não tenho muito o que comentar por estar tão distante de quase tudo que ele diz, só queria dizer que ele deu saudades do 1º ano e das suas aulas. Beijos

Daniel Caldeira disse...

Que belo texto. Exprimiu muita coisa com poucas palavras. E se alguém considerar esse texto longo, digo que as expressões se tornaram infinitas. Bonito é ver que tem gente que ainda acredita em viver, em viver de verdade, e não repetir as coisas de um jeito meio, meio fordista, meio ignorante, meio fordista-ignorante.