terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Aprender a falar foi o que primeiro me salvou.

"Poesia, minha tia, ilumine as certezas dos homens e os tons de minhas palavras. É que arrisco a prosa mesmo com balas atravessando os fonemas. É o verbo, aquele que é maior que seu tamanho, que diz, faz e acontece. Aqui ele cambaleia baleado. Dito por bocas sem dentes nos conchavos dos becos, nas decisões de morte. A areia move-se nos fundos dos mares. A ausência de sol escurece mesmo as matas. O líquido-morango do sorvete melas as mãos. A palavra nasce no pensamento, desprende-se dos lábios adquirindo alma nos ouvidos, e às vezes essa magia sonora não salta à boca porque é engolida a seco. Massacrada no estômago com arroz e feijão a quase-palavra é defecada ao invés de falada.
Falha a fala. Fala a bala."

LINS, Paulo. Cidade de Deus. São Paulo: Cia das Letras, 2002, 2ª ed, p. 21.

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