domingo, 18 de julho de 2010

Homenagem à vovó

Ciléa .

Uma grande Mulher. Sabe-se que nem Freud conseguiu definir o que é ser Mulher. Já Lacan, e perdoem-me a simplicidade com que trato disso, principalmente os verdadeiramente versados em psicologia, diz que a Mulher, com letra maiúscula, não existe. O Homem tem uma representação padrão, o falo, do que é ser homem. A mulher não: ela é única e precisa fazer-se existir e representar-se a cada momento. Por isso, numa festa, é tão ruim ter uma mulher com o mesmo vestido que o nosso, é como se ela se representasse da mesma forma como nós .

Ciléa foi desas mulheres que se fizeram ( e se fazem) únicas. E Que vestidos Ciléa vestiu na vida? Na infância, é possível que fosse simples, sem muitas cores, filha do meio... sabe como é... Mas com certeza adorava o uniforme escolar, pois era com ele que estudava... uma pena foi tanta inteligência não poder ter ido formalmente adiante. Uma vez, no auge da arrogância adolescente, minha avó tentava me consolar porque estava muito nervosa com o vestibular e eu insensível falei: E a senhora sabe o que é vestibular? Ela não respondeu e chorou. Fiquei paralisada. Ela disse um tem depois: não estudei mais porque não pude. Mas tenho muito orgulho de ver meus netos na Universidade (quem a conhece, sabe que ela completaria – todos na Universidade pública.) Se tivesse ido à Universidade o que seria? Seria uma grande cientista? Professora? Economista? Médica? Não, seria artista. E foi. E é.

Vestiu-se de noiva para casar: vestido plinçado e passado prega por prega, não é isso vó? Conheço a foto, mas quem viu pessoalmente em 1952 disse que parecia uma princesa. No entanto, as verdadeiras vestes de sua vida de casada foram um pouco mais duras, tiveram de ser. Engana-se quem pensa que ela capitulou frente ao desafio: foi companheira leal até o fim.

Seus vestidos outros, todos, manchados: a vida adulta os tingiu de tinta de suas pinturas e artes, de molhos da sua cozinha, uniu a eles fitas dos vestidos que fazia para suas filhas, retalhos das camisas do filho e até de algumas lágrimas que também devem tê-los molhado.

Sem importar a roupa: de feira, de dona-de-cada, de muambeira, de costureira, de boleira e doceira, de mãe, de avó e de esposa havia sempre, como uma capa que dá nobreza a qualquer vestido, a firmeza do caráter em cada ação.Cileá não sabe muito fazer carinho, ela sabe agir. E suas ações são sempre tão cheias de honestidade e honradez e amor e firmeza, que, sem importar a roupa, sempre foi altiva na vida.

Vovó foi acumulando vestidos, personalidades, funções. Foi incansável, é incansável. Uma última historinha que ilusta sua disposição: no ano em que anunciei o meu casamento, em 2008, ela estava fazendo um curso de pintura em tecidos. Teve, então, a ideia de fazer panos de prato e tolhas para o meu enxoval. Não bastasse isso, ela queria bordá-los, mas não sabia. Um dia, foi ao centro de São Gonçalo e descobriu uma senhora que vendia panos bordados. Perguntou se a outra senhora poderia ensinar-lhe. A partir daquele dia, todos os dias, após o Vale a pena ver de novo – é grande noveleira! -, durante um bom tempo, foi ao encontro daquela outra mulher aprender a bordar. Aos 78 anos. Cileá descobriu que velho é quem desistiu de aprender.

Hoje, comemorando seus 80 anos, seu brilho no olhar enche-a de babados, de paetês, de cores. Porque Ciléa, avó, mãe, irmã, tia, cunhada e amiga amada, saber gostar da vida e sabe viver!

E é com muita alegria que hoje todos nós nos vestimos de festa para celebrar sua vida!

3 comentários:

Yan Venturin disse...

Meu Deus! Adorei o texto. Não conheço D. Ciléa, mas pelo o que consegui entender é uma mulher guerreira e muito digna. E "única", como você mesmo disse. Meus parabéns a ela pelo aniversário e pela vida, e a você, Carol, pelo belo texto. Aposto que ela se sentirá muito orgulhosa da neta ao lê-lo, e emocionada (como eu mesmo, que sou alheio ao temo, me emocionei) ... lembrei em certas partes de minha avó, que já se foi, e da que ainda está comigo. Obviamente com peculiaridades, pois como você disse, cada mulher é única e diferente das outras. E você, a mulher que escreveu o texto e conseguiu se expressar belamente, e tocar um antigo aluno e hoje "fã" de seus textos. Beijos.

Carol da Matta disse...

Muito obrigada! Minha avó é muito responsável por mim, pelo que sou. Eu me emociono de vê-la, sempre. Esse texto eu li para ela na sua festa de 80 anos, que aconteceu essa semana. Acho que ela gostou =)

Amiguinha imaginária disse...

Perfeito! Parabéns mais uma vez, tenho muito orgulho de você! =) Amo-te.