Na maioria dos dias, escrevo textos mentais que não chegam a sobreviver até explorar a tela ou o papel. A despeito da sua qualidade, já que não é esse o critério que as encaminha ao conhecimento público, minhas tecituras são terapêuticas: sou uma vidente de mim mesma. Ao escrever, me decifro e sou tão clara comigo que, às vezes, suponho que seja clara apenas para mim. Não faço questão de preencher lacunas, não faço questão de ser interessante, não faço questão de nada. Reivindico tão somente o direito de me ver, de me narrar, de me poetizar. São ternuras, delicadezas o que recebo em troca.
"(...) as palavras não são mais concebidas ilusoriamente como simples instrumentos, são lançadas como projeções, explosões, vibrações, maquinarias, sabores: a escritura faz do saber uma festa" (Roland Barthes. Aula.)
quarta-feira, 27 de abril de 2011
domingo, 17 de abril de 2011
A pergunta mais difícil dos últimos tempos começa a ter um esboço de resposta. Ainda uma imagem um tanto difusa, que se forma sem pressa de ser alguma coisa. A minha vida inteira tive pressa de ser, sem dar espaço ao tempo, sem dar ar aos pulmões e desejos às minhas vontades.
Tudo em mim nasceu prematuro.
Tenho me sentido meio Alice no país das maravilhas, ou uma personagem dos filmes de Lynch ou a "menina de lá" de Rosa. Num universo onírico onde as respostas nem sempre têm lógica e o irreal faz sentido. O sentido não é algo em si mesmo, não existe a priori: cada dia mais fica claro, vira o meu caminho, passo a passo, sem pressa.
Venho construindo sentido. Indo numa nova direção, mas sem mudanças bruscas. As verdadeiras transformações são quase imperceptíveis, me disse certa vez um querido amigo. Concordo.
No quadro difuso, que vejo no acostamento da estrada que percorro devagar, leem-se:
A vida é implacável. Acontece todos os dias.
Não quero a burocracia. Quero a poesia.
Existe o medo. Mas existe o amor.
Música é bom. Silêncio é bom. Minha alma repousa na sua voz.
E eu continuo, sem pressa.
segunda-feira, 4 de abril de 2011
O caminho e o mar
Se eu fosse Clarice, diria que existe uma beleza profunda em sentir-se pequena e sofrida e sem rumo. E talvez eu falasse da anestesia fortíssima, cotidiana porém, que faz as pessoas acharem que são felizes e do quanto eu prefiro esse aperto agudo na boca do estômago que me mantém viva.
Mas eu não sou ela. Também pouco sei mentir. E para a pergunta mais difícil dos últimos tempos não tenho sequer esboço de resposta. Hoje não me importei de pegar um caminho mais longo só para passar pela praia e ver, assim com olhos sem desejos, aquilo que está além de mim. Porque, às vezes, eu esqueço que eu não sou o mundo. E que eu posso não responder agora que o mundo não para de girar. E se tudo for uma fracasso, é só isso.
De repente, o mar que é grande mas não pensa sobre isso me lembra que sentir-se pequena em seus braços é de uma beleza absoluta. E que esse aperto agudo na boca do estômago é você, que me deixa em mãos trêmulas desde a sua voz apenas, e me mantém viva sim. E sei que foi bom o percurso mais longo, mesmo pequena e sozinha diante do mar, mesmo tendo medo, tanto medo de sentir medo do fracasso e de ficar parada e de não saber o que responder.
domingo, 27 de março de 2011
Atenção: se você não estiver preparado para o mau texto, é melhor não ler.
A notícia: meu pai morreu. Não o meu pai, mas o pai de um amigo. O que eu ouvi: pais morrem, meu pai morreu, seu pai morreu, nossos pais morreram. Meu pai morreu faz muito tempo. Meu avô morreu dois anos depois. Meu outro avô já tinha morrido. Meu tio morreu. As pessoas da minha vida morrem. Mas aquela notícia foi um golpe. Estou cansada das mortes. Faz menos de um mês que o pai do meu amigo morreu. Então chorei alguns minutos, quase uma hora. Chorei de soluçar, porque não era o meu pai que já tinha morrido e que não me viu crescer e do qual não lembro mais a voz e com o qual não sonho mais faz uns dez anos e também não era o meu avô a quem coloquei imediatamente no lugar de macho alfa da minha vida e para quem dei a camisa que a gente fez na escola, onde estava escrito: pai herói, mas que morreu num dia em que senti alívio pois não sofreria mais do maldito câncer que o castigou por sete anos e que matou meu pai em três ligeiros meses.
Chorei porque era o pai perfeito do meu amigo. Provavelmente ele não era perfeito, mas ele conhecia meu amigo de tantas formas e estava sempre tão ali e era velho e ranzinza, mas ensinou de um tudo; e leu e discutiu junto em tardes animadas na varanda da casa com os amigos que tampouco imaginavam quanto amor os unia. Chorei tão forte e solucei e pedi ajuda para ficar de pé porque não é justa essa dor. Chorei porque deve ser uma alegria tão cotidiana ligar para o pai e falar qualquer coisa e pedir dinheiro ou dizer que se ferrou que ninguém se dá conta e esse não dar-se conta é maravilhoso porque provavelmente nunca foi necessário pensar sobre isso. Não pensar sobre isso é uma sorte.
Chorei porque conheço essa ausência, mas tinha esquecido dela. No velório, meu amigo disse, mas você só o viu uma ou duas vezes, né? Mas o pai que ele pintou para mim, apesar de tanta adoração, às vezes, ter me irritado - mais por inveja do que por outro motivo - era um pai tão real e possível e presente e artista e inspirador que o tinha em meu coração. Era assim: eu lembrava o que era ter pai. Chorei, verdadeiramente, porque fui obrigada a lembrar o que era não ter.
E quando falava disso: ah, meu pai morreu, era serenamente, como ausência assimilada. Quase sempre protegida por esse "esquecimento" de que falei. Mas ficou difícil esses dias. Lamento ter ficado ausente na sua dor, amigo. Mas é que também estive de luto.
domingo, 30 de janeiro de 2011
Se essa sensação de hoje pudesse ser uma foto, nada na imagem seria reconhecido, mas as cores seriam hamoniosas, claras. No centro dessa claridade de cores suaves e harmoniosas eu estaria diante de um espelho e o meu olhar me olharia sem se desviar. Haveria também uma música, na foto, porque meu corpo estaria inclinado para o lado e minhas mãos imitando as mãos de uma bailarina e minha boca contraída para cantar aquela canção, que é como eu gosto de estar. Antes do espelho, ao meu lado, é a sua música que eu canto; a música que sai do seu violão. E, mesmo a foto sendo um registro da realidade, eu não sei, mas haveria tantas pessoas, vivas e mortas, na mistura das cores, que ninguém saberia de quem se tratava, mas quem olhasse ficaria alegre.
Se essa sensação de hoje fosse uma palavra, seria gratidão.
Se fosse um livro, seria o primeiro.
Se fosse um lugar, seria minha casa.
Se fosse um filme, seria dos bonitos (que fazem chorar).
Se fosse um dia, não terminaria.
Se essa sensação de hoje fosse uma palavra, seria gratidão.
Se fosse um livro, seria o primeiro.
Se fosse um lugar, seria minha casa.
Se fosse um filme, seria dos bonitos (que fazem chorar).
Se fosse um dia, não terminaria.
domingo, 26 de dezembro de 2010
Eu tenho um problema. Ultimamente só consigo falar na primeira pessoa e a ficção não tem enchido muito meus olhos. Não consigo inventar e escrever; ou invento mas não escrevo ou sinto vontade de escrever para falar de mim. Preguiça de criar um nome, uma personagem, uma metáfora, uma complicação para dizer simplesmente aquilo que sinto...
Preciso de um novo diário.
Até!
Preciso de um novo diário.
Até!
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Religiosidade
A palavra ata-me ao mundo
Torna-me irmã até mesmo do mais imundo
dos homens, porque o meu começo,
e o dele, foi o verbo, berço
de toda criatura
cuja amargura não tem endereço.
Quando leio um poema de Drummond
Essa é minha oração, o meu alento
É como se Deus dissesse:
"Não te aflijas, meu rebento!
Há esperança!"
(Uma flor nasceu na rua! É feia, mas é uma flor!)
Que Alegria!
Então sei que Ele existe
Faz do poeta seu sacerdote
a transpor o limite do sagrado
pois mostra-nos, em sua ode,
Amor divino disfarçado
em poesia.
Torna-me irmã até mesmo do mais imundo
dos homens, porque o meu começo,
e o dele, foi o verbo, berço
de toda criatura
cuja amargura não tem endereço.
Quando leio um poema de Drummond
Essa é minha oração, o meu alento
É como se Deus dissesse:
"Não te aflijas, meu rebento!
Há esperança!"
(Uma flor nasceu na rua! É feia, mas é uma flor!)
Que Alegria!
Então sei que Ele existe
Faz do poeta seu sacerdote
a transpor o limite do sagrado
pois mostra-nos, em sua ode,
Amor divino disfarçado
em poesia.
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