Quando revisitei esse símbolo, já carregado de outras horas e dias e vivências, apenas um nascimento não daria conta do que precisava expressar. Foi preciso exagerar a lógica humana e nascer várias vezes. Para que nos aproximemos mais da realidade, preciso contar o que de fato aconteceu. O que está acontecendo.
Ando nascendo de palavras. As palavras que leio apresentam-me, todos os dias, a vida, a beleza e o saber. Aprendo com palavras e por meio delas ensino. As palavras que digo me curam. Não depressa. Por isso é um processo. Mas à medida que as elaboro, me elaboro; quando as organizo, é a mim que coloco no lugar; se as pronuncio decididamente, descubro-me forte; e, se entre soluços não as distingo bem, sei que preciso respirar e dar -lhes tempo: as palavras são mais inteligentes quando têm tempo de se realizarem em sua forma e conteúdo.
Nunca coloquei aqui o poema completo de Cecília Meireles que dá título ao blog. Esse é um bom momento.
Romance LIII ou Das palavras aéreas
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
ai, palavras, ai, palavras,
sois de vento, ides no vento,
no vento que não retorna,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e transforma!
Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...
A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora...
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam...
Detrás de grossas paredes,
de leve, quem vos desfolha?
Pareceis de tênue seda,
sem peso de ação nem de hora...
- e estais no bico das penas,
e estais na tinta que as molha,
e estais nas mãos dos juízes,
e sois o ferro que arrocha,
e sois barco para o exílio,
e sois Moçambique e Angola!
Ai, palavras, ai, palavras,
íeis pela estrada afora,
erguendo asas muito incertas,
entre verdade e galhofa,
desejos do tempo inquieto,
promessas que o mundo sopra...
Ai, palavras, ai, palavras,
mirai-vos: que sois, agora?
- Acusações, sentinelas,
bacamarte, algema, escolta;
- o olho ardente da perfídia,
a velar, na noite morta;
- a umidade dos presídios,
- a solidão pavorosa;
- duro ferro de perguntas,
com sangue em cada resposta;
- e a sentença que caminha,
- e a esperança que não volta,
- e o coração que vacila,
- e o castigo que galopa...
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Perdão podíeis ter sido!
- sois madeira que se corta,
- sois vinte degraus de escada,
- sois um pedaço de corda...
- sois povo pelas janelas,
cortejo, bandeiras, tropa...
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Éreis um sopro na aragem...
6 comentários:
Com toda a incerteza você é um mistério pra quem quer entendê-la. Talvez um poço de sensibilidade inesgotável.
Admiro suas palavras e seus devaneios.
Obrigada por existir!
Não sei se gosto muito dessa coisa de anonimato... quem é você, para que eu possa agradecer palavras tão gentis?
Ah, me desculpa. Eu sou a quem escreveu o recado acima. Enfim, é o hábito de escrever em anonimato. Muito faço pois tenho receio de que minhas palavras não venham a servir de nada.
:D
Ah, não deixa de postar !
Gosto dos teus textos.
E, sou Ivy.
Ivy, obrigada pelas palavras. Elas são muito importantes =)
Belo texto Carol. E é verdade. Se bem que as vezes eu me pego pensando e duvidando se as palavras que usamos hoje como concretas não são metáforas de muito antigamente. Transforme suas metáforas em verdade, se assim for bom.
Um beijo!
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