quarta-feira, 4 de novembro de 2009

les petit

Havia um prazer tão modesto naquela brincadeira: um caixote em cima, outro embaixo e eis minha mansão. Era princesa de um castelo ou professora de uma escola ou dona-de-casa e isso era divertidíssimo. Eu, minhas bonecas - filhas? alunas? súditas? - algumas panelas velhas e não havia quem me retirasse daquele mundo de imaginação. Onde se enxergavam panos velhos, eu via cortinas de renda francesa; o caixote menor era a mesa de mármore; a entrada, um caminho desenhado na grama por pedras lapidadas em diversos formatos. Eu estava sozinha, mas entendia essa solidão. Ela era necessária, porque quem veria o mesmo? Meu irmão se esforçava, até fingia - poucas vezes deparei-me com tanta generosidade - mas não vivíamos no mesmo mundo.
Ele era do mundo sensível das coisas e das pessoas. Aquele que toda criança quer ter por perto para fazer travessura, pois nada teme. Não bastava imaginar-se o super-homem, precisava subir a goiabeira e jogar-se na caixa-d'água - a tampa ovalada o fez crer que iria bater e voltar. Nada feito. Pulou, quebrou a tampa e nem um arranhão. Minha mãe diz que Deus deixou que ele voasse. Por isso era adorado, ovacionado pelas outras crianças. Era um corajoso. Minhas primas nunca quiseram saber de bonecas ou ficar comigo; o divertido de ir para minha casa era o meu irmão. Eu sabia disso e concordava, aliviada.

Essa história não termina aqui. Mas, por enquanto, estou de novo no caixote, o sol está fraco e o dia é claro. Ouço meu pai cantando e as gargalhadas do meu irmão não atrapalham minha brincadeira. Só um minuto mais...

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

no meio do caminho tinha uma palavra

não sei rimar
não crio frases de efeito
nem sou escritora
(só carrego as palavras em mim)

não sou solar
não sou otimista
não sou bem-humorada

não sou aventureira
não sou voraz
não arrisco

não aproveito o dia
não chego às 5 da manhã
não bebo todas

não sou organizada
não tenho horário de estudo
não cozinho bem

não li James Joyce
não assisti a Tomates verdes fritos
nem conheço de cor todas as músicas de chico

O que eu não sou
é o que eu sou.

quando o espaço entre
o que se é
e o que
se quer ser
é grande.

no meio desse caminho
preciso deixar nascer
umas dessas palavras de que estou grávida
,
mesmo que não façam sentido
ainda que não sejam poesia
nem bonitas
preciso expô-las
expor-me
extrair-me
delas
aceitá-las em sua feiura e humanidade.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

pedagogia da verdade

Estou diante de trinta e dois espelhos (mas poderiam ser quinze, vinte e sete, quarenta e dois).

(Seria bom se o reflexo fosse sempre sincero.

Aguardo respostas honestas, perguntas curiosas, olhos atentos.

O que vamos descobrir hoje?
Que a língua como sistema de signos aleatórios, material e imaterial existe e não precisa ser explicada para atingir seu objetivo.
Que a linguagem nos torna (o quê?);
Que uma criança de seis anos cria e compreende metáforas sem saber seu nome;
Vamos constatar que a linguagem é a lente com que enxergamos o mundo à nossa volta; quanto maior o grau dessa lente mais apurado é o nosso olhar;

Vamos perceber que um poema de Vinícius faz sentido, comove, pinta o mundo de rosa, ou entristece e faz chorar o néscio, porque há uma sabedoria que habita o coração.

O que eu quero ensinar?
Que não há nada mais humano do que o aprendizado.)


Alguns, poucos em geral, refletem exatamente o que eu gostaria de enxergar: a imagem mais bonita, inteligente e delicada de mim.

Outros, que por sorte também são poucos, são indiferentes - espelhos na noite que nada mostram.

Uma maioria, confusa, pinta em sua superfície plana aquilo que somos: aldazes, invejosos, corajosos, indignados, felizes, arrependidos, doloridos, sinceros, cruéis, vis, ambiciosos, honestos, mal-educados, gentis, carinhosos, abusados, respeitosos (...), (...), (...)

Ver-se tão claramente, todos os dias, é pros fortes.

Tenho andado cansada ultimamente.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O príncipe do volvo prata

Edward Cullen não existe.

E não é porque ele é fruto da imaginação de alguém; não é porque habita o universo encantado das páginas dos livros adolescentes (livros que ainda precisam crescer para serem verdadeiramente grandes); não é porque ele é triplamente criado: pela autora, pelos olhos apaixonados de Bela e pelos olhos envolvidos das leitoras.

É porque sua perfeição é irreal, inumana e inverossímel até mesmo para um vampiro. Um vampiro cujo amor pela mulher é maior que o desejo pelo seu sangue; cuja paciência o faria esperar a eternidade; cuja entrega lhe tiraria a própria vida no momento em que a vida fosse arrancada de seu amor; cuja tensão erótica o leva até o beijo aterrador: o beijo do vampiro que não mata.

Ele não existe porque até o sentimento mais nobre é falível. Ele não existe porque ele não hesita. É preciso hesitar para existir, é preciso falhar, é preciso ser além do outro. Edward Cullen só existe no outro. No ideal de herói romântico do outro.

O mundo mudou (clichê?), A mulher se emancipou (clichê?), mas continua desejando e esperando um príncipe forte, corajoso, protetor, compreensivo, amoroso, amante caliente e lindo, cujo mundo se resume a viver pela mulher amada: você (esse, o maior dos clichês, tão velho, tão atual, tão adolescente - e tão verdadeiro).

Edward Cullen não existe.

Mas existe o amor, alguém que prepara o jantar e coloca uma flor no centro da mesa; existe quem te proteja, às vezes, porque nem sempre vai perceber sua fragilidade. Há quem te deseje loucamente, mesmo quando acorda de tpm e inchada; há quem te ouça - não no meio do jogo, claro - e compreenda a sua dor.

Não estamos sós em nossas imperfeições, graças a Deus.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

A desejada das gentes

Não há dúvida de que a felicidade seja um conceito individual e cultural, estado estreitamente ligado aos valores e à visão de mundo do homem. Assim, como mulher ocidental e contemporânea, o tão almejado estado é tal qual sou: fragmentada, contraditória e perecível.

A fragmentação referida é a certeza de momentos - e não mais que isso - em que alcança-se o sublime, o perfeito encontro do desejo e sua realização. Acreditar em mais é viver frustrado. Felicidade é ver seu nome estampado num cartão de visitas, prova cabal de que existe no mundo real.

Conquistado seu espaço, já não se sabe mais que caminho seguir. A modernidade traz consigo um universo de possibilidades tão vasto que as escolhas alternam-se, contradizem-se e o que satisfaz o homem hoje, não o contentará amanhã. Felicidade é ser amante do branco, mas ter todas as cores dentro do armário.

Depois de tê-la, um dia - ou no segundo seguinte - a felicidade acaba. Da mesma forma que a vida humana só tem sentido porque é finda - a imortalidade alteraria todos os paradigmas que nos orientam -, aquela é querida porque fugaz. Sua perenidade arrancaria-lhe todo sabor de vitória. Felicidade é ver o sol se pôr, na praia, com seus amigos e amores, mesmo que o amanhã não chegue.

Aceitar a finitude e a instabilidade da felicidade já é estar mais próximo a ela. Assim, conhecer para realizar-se é ir pintando um quadro para o qual, no fim da vida, olharás em sua completude e dirás: fui feliz.

domingo, 24 de maio de 2009

eu confesso 2

Que a vida é um mar de rosas. que não há nada mais para se querer, somente o mar, que as energias renovapurificarevigoraalivia, e a ternura das rosas.


eu sei que as palavras são sempre poucas, gota a gota, homeopáticas. elas só saem assim, pela metade, inteiras no que dizem, mas insuficientes na forma. entende? não? que importa!

domingo, 17 de maio de 2009

eu confesso

UMa dor que nunca acaba. uma vontade de ter o mundo, de ser o mundo, de estar com o mundo. uma ânsia que não cabe em mim. essa dor que não finda. um desejo insaciável. e uma alegria tão breve.

e assim os dias se engendram: de rápidos respiros alegres e longos suspiros por aquilo que há-de-vir, se deus quiser.